Lurdes valsa lenta

Lurdes às vezes acorda sem fome
Há doze anos que quase não come
Molha a bolacha Maria no chá
E engana a gata com bombons Rajá
Lurdes folheia a sua TV Guia
Enquanto põe as conversas em dia
Queixa-se à gata da ingrata da nora
Enquanto Mário, o marido, está fora
Lurdes diz que é bom ter com quem falar
O Mário nunca foi de conversar
A gabardine foi p’ra cerzir
Assim como assim, não tem com quem sair
Olha, Lurdes, deixa andar
É assim que o tempo para p’ró poderes passar
Mário, o marido, não quis sobremesa
Dessa vez não apareceu na empresa
Talvez tivesse em mente outros planos
A bem dizer, já lá vão doze anos
Lurdes digere diversos amargos
E abre mais uma garrafa de Magos
Enquanto Mário, o marido, não chega
A ver se o raio da gata sossega
Lurdes levanta os dois pratos da mesa
Já não é desta a aguardada surpresa
Atrás do peito uns restos de mágoa
No meio da mesa um vasinho com água
Olha, Lurdes, deixa andar
É assim que o tempo para p’ró poderes passar
Quem sabe alguém lhe devolva amanhã
Os 12 anos mais essa manhã
Alguém que traga uma história maluca
Um ramo de flores e uma boa desculpa
Olha, Lurdes, deixa andar
É assim que o tempo para p’ró poderes passar
É assim que o tempo passa p’ró poderes parar